Medidas de efeito absoluto
Como citar o conteúdo deste site
Pacheco RL, Martimbianco ALC, Riera, R. Interpretação de resultados de estudos clínicos e sínteses de evidências. 2022. Disponível em: www.nepsbeats.com.
Considere um ensaio clínico randomizado que possui o seguinte PICO:
P: Pessoas com Covid-19 grave
I: Dexametasona
C: Placebo
O: Mortalidade em 28 dias
A hipótese principal do estudo é a de que a dexametasona reduz a mortalidade de pessoas com Covid-19 em 28 dias, podendo ser utilizada no tratamento de pacientes graves.
. tabulate died group
| group
died | Placebo Intervent | Total
-----------+----------------------+----------
Alive | 100 150 | 250
Dead | 100 50 | 150
-----------+----------------------+----------
Total | 200 200 | 400
Dos 200 participantes que receberam placebo, 100 morreram no dia 28. No grupo intervenção, 50 morreram. As medidas de efeito relativo calculadas foram:
- Risco relativo = 0.5; IC95% = 0.38 a 0.66; p = 0.0000. Os resultados indicam que o uso da dexametasona é compatível com uma redução do risco de morte de 44% a 62%.
- Odds ratio = 0.33; IC95% = 0.22 a 0.51; p = 0.0000. Os resultados indicam que o uso da dexametasona é compatível com uma redução do odds de morte de 49% a 78%.
Além das medidas de tamanho de efeito relativo (risco relativo / odds ratio), há medidas de tamanho de efeito absoluto, como a diferença de risco. No caso, teríamos 25% (risco absoluto no grupo intervenção) – 50% (risco absoluto no grupo placebo). Ou seja, uma diferença de risco = - 25% (redução de 25% no risco absoluto com o uso da intervenção).
Outra medida frequentemente utilizada é o Número Necessário para Tratar (NNT), definido como 1 / Diferença de Risco. Neste caso, 1 / (25/100) = 25/100 = 4. Um NNT de 4 significa que, ao se tratar 4 pacientes com a intervenção, espera-se evitar uma morte a mais no período de 28 dias.
O pacote do STATA abs_eff, desenvolvido pela nossa equipe, consegue calcular de modo imediato o efeito absoluto com base em medidas de tamanho de efeito relativa (risco relativo e odds ratio).
. abseff rr 0.5 0.38 0.66 50 100
Base 1000
The risk with control group is 500 per 1000.
The anticipated absolute effects is 250 per 1000 (95% CI = 190 to 330).
The absolute risk difference is -250 per 1000 (95% CI = -310 to -170).
Base 100
The risk with control group is 50 per 100.
The anticipated absolute effects is 25 per 100 (95% CI = 19 to 33).
The absolute risk difference is -25 per 100 (95% CI = -31 to -17).
A primeira linha indica o risco basal (risco no grupo controle) transformado na base 1000 ou 100. Neste caso, ele equivale aos 50%.
A segunda linha indica o risco absoluto no grupo intervenção. No caso, é esperado que a cada 1000 pacientes tratados, 250 morram em 28 dias (ou, a cada 100 pacientes tratados, 25 morram em 28 dias).
A terceira linha indica a diferença do risco absoluto entre o grupo controle e intervenção. No caso, 250 – 500 = - 250. Ou seja, espera-se, que em cada 1000 pacientes, 250 menos pacientes tenham morrido em 28 dias com o grupo intervenção. O intervalo de confiança mostra que a diferença de risco é compatível com redução de 170 a 310 mortes em até 28 dias a cada 1000 pacientes tratados. Ou seja, um efeito expressivo!
Podemos calcular o NNT (1/DR) com esses dados também. No caso, seria = 1 / (250 / 1000) = 1000 / 250 = 4. Ou seja, mesmo resultado já calculado anteriormente!
Cálculo de análise de efeito absoluto derivados de hazard ratios
Analisaremos os resultados de um ensaio clínico que tem o seguinte PICO:
P: Pessoas com carcinoma colorretal metastático
I: Imunoterapia + quimioterapia convencional
C: Placebo + quimioterapia convencional
O: Sobrevida global
A hipótese principal do estudo é a de que a imunoterapia aumenta a sobrevida de pacientes com carcinoma colorretal metastático. O estudo recrutou um total de 48 pacientes (20 no grupo placebo e 28 no grupo intervenção).
A curva de sobrevida está apresentada na figura 1.
Figura 1. Curva de Kaplan-Meier
A regressão de Cox teve o segundo resultado:
- Hazard ratio = 0.13; IC 95% = 0.06 a 0.31; p = 0.000).
O intervalo de confiança mostra que o efeito da intervenção na população é compatível com uma redução de 69% a 94% da mortalidade ao longo do tempo. Ou seja, mesmo no cenário mais conservador, o efeito esperado da intervenção é muito importante.
No entanto, como podemos traduzir o benefício do hazard ratio em termos absolutos?
Utilizaremos o pacote do Stata abs_eff para cálculo do efeito absoluto com base em medidas de tamanho de efeito relativas.
O primeiro passo é determinar o tempo de análise relevante. Como a mortalidade basal é crescente, o efeito absoluto de uma intervenção é variável ao longo do tempo. De fato, após um tempo muito longo, o efeito absoluto da intervenção será nulo pois todos os pacientes terão morrido.
Não existe regra consolidada, mas é preciso determinar um tempo para avaliação razoável.
No caso, determinaremos o efeito absoluto da intervenção em 12 meses.
O segundo passo é determinar a probabilidade basal de sobrevida (risco no grupo placebo/controle). Pode-se utilizar dados da literatura ou do próprio estudo. No caso, pela inspeção da figura 1, 25% dos pacientes estão vivos em 12 meses.
O terceiro passo é o cálculo dos valores absolutos. Para isso iremos utilizar o pacote abs_eff:
. abseff hrsurv 0.13 0.06 0.31 0.25
Base 1000
The proportion of patients free of event in a certain time-point with control group is 250 per 1000.
The anticipated absolute effects is 835 per 1000 (95% CI = 651 to 920).
The absolute risk difference is 585 per 1000 (95% CI = 401 to 670).
Base 100
The proportion of patients free of event in a certain time-point with control group is 25 per 100.
The anticipated absolute effects is 84 per 100 (95% CI = 65 to 92).
The absolute risk difference is 59 per 100 (95% CI = 40 to 67).
.
end of do-file
O abseff utiliza o hazard ratio (IC 95%) e o risco basal (risco do grupo controle) para cálculo.
A primeira linha índica o risco basal transformado na base 1000 ou 100. Neste caso, ele equivale aos 25%.
A segunda linha indica o risco absoluto no grupo intervenção. No caso, é esperado que a cada 1000 pacientes tratados, 835 estejam vivos em 12 meses (ou, a cada 100 pacientes tratados, 84 estejam vivos em 12 meses).
A terceira linha indica a diferença do risco absoluto entre o grupo controle e intervenção. No caso, 835 – 250 = 585. Ou seja, espera-se, que em cada 1000 pacientes, 585 pacientes a mais estejam vivos em 12 meses com o grupo intervenção. O intervalo de confiança mostra que a diferença de risco é compatível com 401 a 670 pacientes. Ou seja, um efeito expressivo!
Com a diferença de risco, podemos calcular o NNT (1/DR). No caso, seria = 1 / (584 / 1000) = 1000 / 584 = 1.7. Ou seja, a cada 1.7 pacientes tratados, podemos esperar que um paciente a mais continue vivo em 12 meses.
O abs_eff também pode calcular a estimativa com base do número de pacientes que apresentaram o evento (no caso, morte) (figura 2).
Figura 2. Curva de Kaplan-Meier baseada na incidência de eventos
Aqui, utilizaremos o risco basal de o participante ter morrido em 12 meses. No caso, 75%.
. abseff hrevent 0.13 0.06 0.31 0.75
Base 1000
The risk of event in a certain time-point with control group is 750 per 1000.
The anticipated absolute effects is 165 per 1000 (95% CI = 80 to 349).
The absolute risk difference is -585 per 1000 (95% CI = -670 to -401).
Base 100
The risk of event in a certain time-point with control group is 75 per 100.
The anticipated absolute effects is 16 per 100 (95% CI = 8 to 35).
The absolute risk difference is -59 per 100 (95% CI = -67 to -40).
O risco de morte em 12 meses é de 750 em 1000 no grupo placebo. A mortalidade esperada com a intervenção é de 165 em 1000, o que indica uma redução de 585 mortes a cada 1000 pacientes tratados.
Em um estudo, é comum a utilização de mais de um tempo de avaliação para análise de efeito absoluto com a intervenção. Por exemplo, poder-se-ia calcular o efeito em 6, 12 e 24 meses com os dados do estudo.
Back to top