Riscos, chances e diferença de médias

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RLP

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Pacheco RL, Martimbianco ALC, Riera, R. Medidas de tamanho de efeito. 2023. Disponível em: www.nepsbeats.com.

Última atualização: 08/abril/2024.


Continuaremos analisando um ensaio clínico randomizado que possui o seguinte PICO:

A hipótese principal do estudo é a de que a covidina reduziria a mortalidade e o tempo de internação dos pacientes com Covid-19 em 28 dias, podendo ser utilizada no tratamento de pacientes graves. No total, o ensaio clínico recrutou 200 participantes para o grupo dexametasona e 200 para o grupo placebo.

Code
set.seed(150393)

n <- 400
n_group <- 200

#df control
group <- rep("Placebo", n_group)
died  <- sample(c("Alive", "Dead"), n_group, replace = TRUE, prob = (c(0.50, 0.50)))
days_hosp <- rnorm(n_group, mean = 18, sd = 4)
days_hosp <- round(days_hosp)
age <- rnorm(n_group, mean = 60, sd = 30)
age <- ifelse(age <18, 18, age)
age <- ifelse(age > 90, 90, age)
age <- round(age)
df_control <- data.frame(group, age, days_hosp, died)

# df int
group <- rep("Intervention", n_group)
died  <- sample(c("Alive", "Dead"), n_group, replace = TRUE, prob = (c(0.75, 0.25)))
days_hosp <- rnorm(n_group, mean = 12, sd = 3)
days_hosp <- round(days_hosp)
age <- rnorm(n_group, mean = 60, sd = 30)
age <- ifelse(age <18, 18, age)
age <- ifelse(age > 90, 90, age)
age <- round(age)


df_int <- data.frame(group, age, days_hosp, died)


df <- rbind(df_control, df_int)

df <- df[sample(nrow(df)),]

id <- 1:n
df <- data.frame(id, df)

Base 1. Base de dados do ensaio clínico randomizado que avaliou a covidina para pacientes com Covid-19 grave.

Code
knitr::kable(df[1:10, ], )
id group age days_hosp died
35 1 Placebo 57 21 Dead
394 2 Intervention 24 9 Alive
178 3 Placebo 90 15 Dead
78 4 Placebo 18 17 Alive
378 5 Intervention 85 14 Alive
57 6 Placebo 77 16 Alive
82 7 Placebo 61 14 Dead
274 8 Intervention 72 7 Alive
316 9 Intervention 72 13 Alive
95 10 Placebo 71 22 Alive

O primeiro passo para qualquer análise de mortalidade será relacionar a ocorrência de eventos nos dois grupos.

Code
library(dplyr)
contigency_df <- data.frame(table(df$group, df$died))
col_names <- c("group", "died", "event")
colnames(contigency_df) <- col_names
contigency_df <- contigency_df |> 
  mutate(n_group = n_group) |> 
  mutate(n_event = n_group - event) |>
  mutate(risk = event/n_group*100) |> 
  mutate(odds = event/n_event)

knitr::kable(contigency_df)
group died event n_group n_event risk odds
Intervention Alive 145 200 55 72.5 2.6363636
Placebo Alive 86 200 114 43.0 0.7543860
Intervention Dead 55 200 145 27.5 0.3793103
Placebo Dead 114 200 86 57.0 1.3255814

Entre os 200 participantes que receberam Covidina, 55 morreram até o dia 28; entre os participantes do grupo placebo, 114 morreram até o dia 28.

A maneira mais intuitiva de descrever a mortalidade é pela proporção de participantes que morreram em cada grupo, ou seja, o risco de morte.

O risco de morte no grupo placebo foi de 57% (114/200) em comparação com 27,5% (55/200) no grupo Covidina.

Podemos pensar no risco como uma probabilidade. A probabilidade de morte no grupo placebo foi de 57% e no grupo Covidina, 27,5%.

Existe outra maneira de descrever a mortalidade nos grupos, pelo odds (“chance”). Apesar de usarmos o termo risco/probabilidade/chance como sinônimos, o odds na estatística possui um significado específico. Odds é a razão entre o número de eventos e o número de não eventos.

No grupo placebo, o odds de morte foi de 114/86 = 1,33. No grupo dexametasona, o odds de morte foi de 55/145 = 0,38.

O que um odds de 1,33 significa? Significa que para cada participante que ficou vivo no grupo placebo, “1,33 morreram”. Podemos arredondar este número, por exemplo, para cada 4 mortes no grupo placebo, 3 pacientes ficaram vivos.

No grupo Covidina, para cada participante que morreu, “0,38” ficaram vivos.

Qual é o certo ? Odds ou riscos?

Não existe uma resposta correta. Ambos são formas distintas de expressar a mesma informação. Em casos específicos, faz mais sentido utilizar um ou outro, mas ambos são medidas que transmitem a mesma informação, ou seja, a ocorrência de eventos em um grupo de participantes.

Por exemplo, um odds de 1, corresponde um risco de 2.

Ambas as formas estão corretas:

  • 1 a cada 2 pacientes morreram (risco), ou

  • para cada 1 que morreu 1 ficou vivo (odds)

A interessante relação entre risco e odds

A relação entre risco e odds é uma relação não-linear. Quanto maior o risco, mais o odds se distancia do risco.

Figura 1. Relação entre odds e risco

Code
risk <- seq(0,0.9,0.1)
odds <- risk/(1-risk)
df_r_o <- data.frame(risk, odds)

library(ggplot2)
ggplot(df_r_o, aes(risk, odds)) + geom_line() + xlab("Risco") + ylab("Odds") + 
  scale_y_continuous(breaks = seq(0, 9, by = 1)) +
  theme_minimal()

Como já mencionado, o risco de 0,5 corresponde a um odds de 1.

O odds equivalente a um risco de 1 não é definido (“tende ao infinito”), pois o número de não eventos seria 0 (todos os participantes tiveram um evento), e o odds “seria” = 1/0.

Comparando a ocorrência de eventos entre os dois grupos: o risco relativo e o odds ratio

Em um ensaio clínico, é comum a apresentação da ocorrência de eventos por meio de uma tabela de contingência. A tabela de contingência é a primeira apresentação visual de uma comparação dos eventos do estudo.

Tabela 1. Tabela de contingência do ensaio clínico randomizado que avaliou a covidina para participantes com Covid-19 grave.

Morto Vivo Total
Covidina

55

(27.5%)

145

(72.5%)

200

(100%)

Placebo

114

(57%)

86

(43%)

200

(100%)

De acordo com a tabela acima, neste estudo a mortalidade no grupo intervenção foi a aproximadamente a metade do grupo placebo.

Esta comparação intuitiva é o risco relativo :

\[ Risco \, Relativo = {Risco \; intervenção \over Risco \; placebo} = {({55 \over 200}) \over ({114 \over 200})} = 0,48 \]

O risco relativo foi ~ 0,5, ou seja, o risco de morte no grupo intervenção reduziu pela metade (multiplicou por meio). Um risco relativo de 2,5 significa que o risco de morte aumentou 2,5 (multiplicou por 2,5 vezes).

Quão importante é uma redução relativa de 0,5?

Vejamos a tabela abaixo.

Tabela 2. Tabela de contingência de outro estudo hipotético (estudo 2).

Morto Vivo Total
Covidina

1

(0.5%)

199

(99.5%)

200

(100%)

Placebo

2

(1%)

198

(99%)

200

(100%)

O risco relativo deste estudo também é 0,5!

\[ Risco \, Relativo = {Risco \; intervenção \over Risco \; placebo} = {({1 \over 200}) \over ({2 \over 200})} = 0,5 \]

A diferença entre os dois casos está no risco absoluto. No primeiro estudo, o risco absoluto foi de 27,5% no grupo intervenção e 57% no placebo. No segundo estudo, o risco absoluto foi de 0,5% no grupo intervenção e 1% no placebo.

Podemos demonstrar essa diferença por meio da Diferença de Riscos:

Estudo 1

\[ Diferença \, de \, Risco = Risco \; intervenção - Risco \; placebo = 27,5\% - 57,0\% = - 29,5\% \]

Estudo 2

\[ Diferença \, de \, Risco = Risco \; intervenção - Risco \; placebo = 0,5\% - 1\% = - 0,5\% \]

Como podemos notar, diferentes valores de risco absoluto podem corresponder ao mesmo risco relativo.

No estudo 2, apesar do risco do evento ter reduzido pela metade, o risco basal (do grupo controle) já era muito baixo (1%). Já no estudo 1, “reduzir pela metade” correspondeu à expressiva redução de 29,5% no risco absoluto.

Em um estudo, idealmente temos que transmitir a magnitude absoluta e relativa dos riscos, como nos exemplos a seguir:

  • No estudo 1, o risco de morrer no grupo placebo foi de 57%. O risco do grupo intervenção reduziu pela metade (RR ~0.5) para um risco absoluto de 29,5%.

  • No estudo 2, o risco de morrer no grupo intervenção foi a metade do grupo placebo (RR ~0.5), correspondendo a uma redução de 1% para 0.5% na proporção de eventos.

Odds ratio

Da mesma forma como podemos dividir os riscos para comparar os grupos, podemos dividir os odds.

Vamos calcular o odds ratio para o estudo 1:

\[ Odds \, Ratio = {Odds \; intervenção \over Odds \; placebo} = {({55 \over 145}) \over ({114 \over 86})} = 0,29 \]

Como o risco absoluto de eventos é alto, o odds ratio é diferente do risco relativo (RR = 0,48 ) no caso do estudo 1.

Para o estudo 2, que possui um risco basal baixo, o odds ratio se aproximará do risco relativo de 0,5.

\[ Odds \, Ratio = {Odds \; intervenção \over Odds \; placebo} = {({1 \over 199}) \over ({2 \over 198})} = 0,4949 \]

Portanto, ao analisarmos um estudo com baixo número de eventos, podemos esperar que o odds ratio seja muito próximo ao risco relativo. Quanto maior a taxa basal de eventos, mais o odds ratio se distancia do risco relativo.

Diferença de médias

Para variáveis contínuas, como o tempo de hospitalização, não faz sentido calcularmos a diferença de riscos ou odds.

Deste modo, usualmente comparamos as médias entre os grupos pela diferença de médias (DM).

\[ Diferença \, de \, médias = {Média \; intervenção - Média \; placebo} \] No estudo 1, a média de dias de internações foi de 18 dias no grupo placebo e 12 dias no grupo intervenção.

Assim:

\[ Diferença \, de \, médias = {Média \; intervenção - Média \; placebo} = 12 - 18 = -6 \, dias \]

Portanto, a diferença de médias foi de 6 dias, ou seja, os pacientes do grupo intervenção ficaram, em média, 6 dias a menos internados em comparação com o grupo placebo.

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